Estava à espera que os meus filhos crescessem

“Estava só à espera de que os filhos crescessem para poder recuperar a vida que tinha tido. Voltar a dormir até tarde, sem horas para acordar, apanhar um avião para um destino ao acaso e não voltar na data marcada, ir ao cinema e não ter de vir a casa dar banhos e jantar, ser livre sem depender de babysitters, sogras ou mães cobradoras de sentimentos.

Tinha sido uma vida de dedicação, 21 anos de refeições à hora certa, dentista semestral e pediatra anualmente, entre outras calendarizações. Tinha passado da creche às actividades pedagógicas da primária, uma vida inteira de fins-de-semana em casa a estudar História de Portugal, Estudo do Meio e o Corpo Humano.

Tinha-se levantado, religiosamente, antes das 7 da manhã, durante 21 anos, para proceder ao transporte da descendência, preparando, de véspera, marmitas, lancheiras e mochilas de natação. Tinham sido toneladas de roupa para lavar, toneladas para estender e dobrar.

Sim, estivera à beira de perder o juízo, as meias nunca saíam da máquina com os pares respectivos e engomar lençóis era tarefa que auto-proclamava o existencialismo filosófico. Mafalda estava à espera de que todos saíssem de casa para Erasmus, estágios e trabalhos no estrangeiro.

Era uma pequena empresa de cinco filhos. Tinha cumprido a sua tarefa irrepreensível de mãe, educadora, conselheira, psicóloga, multibanco e merceeira.

Podia agora voltar a namorar o marido, conhecer aquele homem que deambulara, sonâmbulo, durante duas décadas, pelo corredor, embalando bebés birrentos, cheios de cólicas.

Era agora a hora de voar, ser livre, sair com as amigas, recuperar o tempo da juventude, divertir-se e viajar.

Não havia de demorar muito a ser outra vez a Mafalda de antes. Tinha-se apenas esquecido de como se fazia para ser livre.”

Fonte: Maria Saraiva de Menezes