A tortura do sono

A mãe não dorme. Só dormita

É curiosa a forma como uma grande maioria das mulheres reagem relação ao sofrimento que qualquer mãe vive quando o seu bebé, muito pequenino, acorda de hora a hora, numa noite. São raras as mães que, em circunstâncias destas, são abertamente solidárias e falam de tudo de mau que sentiram. Regra geral, abordam esse assunto como que se, quando foi com elas, o sono do bebé tivesse sido difícil, sim, mas, de modo algum, se parecesse, em quaisquer momentos, com uma tortura. E de tal forma assim é que as mães mais recentes se sentem na categoria de «más mães»: aquelas que adoram um filho mas se sentem consumidas por ele; se deslumbram com a sua beleza e temem que ele dê com elas em «doidas»; ou se comovem com as «gracinhas» de um bebé (quando ele sorri a dormir, por exemplo) e confidenciam à sua melhor amiga que, às vezes,quase têm vontade de «o atirar pela janela».

Um bebé pequenino é o grande responsável pela «tortura do sono» que qualquer boa mãe acaba por sofrer. Uma mãe não pode reagir, de forma equilibrada e bondosa, quando, depois de dar de mamar uma imensidão de tempo, muda uma fralda; muda-a, de novo; troca o babygrow (que,entretanto, se sujou); deita, delicadamente, o bebé, e aconchega-o, com todo o amor; ele faz uns barulhinhos ternurentos e, como um anjo, decide dormir. A mãe respira fundo, sorri-lhe, apaga a luz e desliza sob os lençóis, pensando que avida é bela, para que, 40 ou 50 minutos depois, escutar um ligeiro protesto e,a seguir, uma rebelião que resiste ao embalamento do berço e, logo depois, um choro de raiva que não pára? Como reagem as boas mães?… Abrem a luz. Respiram fundo. Falam do seu amor por aquele pingente. Levantam-no, cheias de cuidado.Puxam da mama (sim, porque as boas mães e a chucha estão, regra geral, numa relação difícil). O bebé, entreabre um olho, para se certificar que aquela«mãezona» está ali, firme, só para ele. Respira como quem diz: «É verdade! Deus existe». E adormece às primeiras mamadas. A mãe, quase sem respirar, encosta-se à cama. Deita-o sobre si. Encanta-se a olhar para ele. Fala sozinha (todas as boas mães falam sozinhas, é verdade!) e repete: «Tão lindo!», e outras coisas que querem dizer que nunca se cansa de o amar. E fica por ali, dormitando,agarrada ao seu amor. A seguir, certifica-se que ele dorme. Deita-o,delicadamente. Aconchega-o, com todo o amor. Ele, como anjo, decide dormir. Ela respira fundo. Sorri-lhe. Apaga a luz. E tenta, de todas as formas, dormir. Mas não é fácil! 40 ou 50 minutos depois, escuta um ligeiro protesto. E, a seguir,uma rebelião que resiste ao embalamento do berço. Logo depois, um choro de raiva que não pára. Abre a luz. Respira fundo. Fala do seu amor por aquele pingente. Levanta-o, cheia de cuidado. Puxa da mama. O bebé, entreabre um olho.Mama uma ou duas vezes. E adormece. A mãe encosta-se se à cama. Deita-o sobre si. Encanta-se a olhar para ele. Respira fundo. Sorri-lhe. Apaga a luz. Desliza sob os lençóis. E, 40 ou 50 minutos depois, escuta um ligeiro protesto e, a seguir, uma rebelião que resiste ao embalamento do berço. Logo depois, um choro de raiva que não pára. E tudo se repete 4, ou 5 numa noite.

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Às seis da manhã, mãe e bebé adormecem. Finalmente! O bebé certifica-se que, nem no silêncio da noite e no escuro, a mãe lhe foge. E descansa. Às 7, o irmão mais velho entra no quarto, transbordando energia. O pai toma o seu duche. E a vida continua. Nos próximos 30 ou, até, 60 dias tudo será mais ou menos assim. O dia segue, entretanto, no seu bulício. A mãe veste o irmão mais velho do bebé. Depois dele reclamar, claro. Antes, deu-lhe o pequeno-almoço, porque tanta privação de mãe tem os seus custos. Tolera uma espécie de birra quando se separam. E propõe-se respirar fundo. Senta-se a verás notícias. E a dormitar. (É verdade: a mãe não dorme! Só dormita.) Logo depois, escuta um ligeiro protesto. A seguir, uma rebelião que resiste a qualquer embalamento. Logo depois, um choro de raiva que não pára. Puxa da mama. Fala do seu amor. E tudo recomeça. Até à próxima vez. O sono, esse virá mais tarde. Quando puder chegar, claro. Por agora, reage. Funciona. Chora por nada. Enfurece-se por coisa nenhuma. Diz coisas horríveis, só para si. Sente-se insuportável consigo própria, por tudo isso. E imagina, quando fala com as outras mães, que isto só lhe aconteça a si. Entretanto, os dias repetem-se.Iguais. Iguais. E iguais!

Querem perceber aquilo que se sente quando se fala de tortura do sono? É simples. Falem com a mãe. Ah!, e já agora, admirem-se. Como é possível uma pessoa «torturada» desta forma não se desequilibrar ainda mais? Basta ser mãe!

Texto: Eduardo Sá, em www.eduardosa.com