Filha, peço-te perdão

Às 30 semanas de gravidez, estava já em contagem decrescente para te ter nos braços, quando me disseram que poderias não ser a filha perfeita que tanto sonhei. Da suspeita à confirmação foi um instante. O rastreio negativo, as ecografias normais, tudo enganos, porque o teu cromossoma extra sempre lá esteve.

E é no momento em que me apresentaram a tua deficiência que reside o meu remorso. No momento em que descobri que tinhas trissomia 21, eu não te quis. Em poucos minutos traçaram-te o destino. E eu não queria aquele destino para ti.

Da conversa com o geneticista guardo apenas alguns flashes. Lembro-me de ter duvidado do resultado mesmo com o cariótipo na mão. Lembro-me de ter chorado muito e cada vez mais à medida que me relatavam como seria a tua existência. Lembro-me das primeiras palavras: “a sua filha será, no mínimo,  uma deficiente intelectual profunda”. Depois veio a lista daquilo que nunca serias e nunca farias. Não sei exatamente em que ponto da conversa, mas despejaram-me em cima uma lista de patologias que poderias trazer contigo ou desenvolver ao longo da vida. Retive algumas: cardiopatias, problemas de visão e audição, mau funcionamento da tiroide, problemas gástricos, leucemia… Perguntaram-me se queria visitar alguma instituição, se queria ver o que esperar de ti.

E, filha, por muito que me doa dizer isto, quando saí daquela sala, estava convicta de que não te queria.

Eu não te queria por egoísmo, porque naquele momento só pensei no meu medo, na minha falta de dinheiro e na sobrecarga de trabalho que teria com todas as consultas e terapias que a tua condição exige. Naquele momento só pensei em mim, logo eu que te desejei tanto, que esperei tanto por ti, esqueci-me que eras apenas um bebé e que necessitavas somente do mesmo que qualquer bebé.

Eu não te queria pela pressão de ter que decidir em contra relógio se merecias ou não viver, pela pressão do futuro que tinham acabado de te traçar e pela pressão do que os outros haveriam de pensar ou fazer-te sofrer. Como se se conseguisse prever à partida a vida de alguém! Bem sei que não posso proteger-te sempre nem para sempre, mas, enquanto viver, posso lutar por ti e contigo para que sejas apenas uma entre iguais.

Eu não te queria por ignorância, porque não sabia que tudo se resume a muito amor, fé, trabalho, perseverança e superação. Isto é a minha trissomia, muito diferente daquilo em que me fizeram acreditar.  Ninguém me falou dos casos de sucesso. Ninguém me disse como a maioria dos pais de pessoas com trissomia são gratos por tê-las nas suas vidas e são felizes. Ninguém me disse que, apesar das probabilidades estarem contra ti,  serias uma menina fantástica, uma lutadora, e que nós também poderíamos ser tão mais felizes por te ter connosco.

Por ter duvidado de ti, mesmo que por instantes, eu nunca deixarei de te pedir perdão. Hoje sei que o teu diagnóstico faz parte do que és, mas não é o teu destino. Agradeço-te tanto por me teres escolhido para ser tua mãe. Talvez não sejas a filha que todos gostariam de ter, mas eu digo-te com todo o meu amor: és a minha filha perfeita!

Fonte: Cromossomaextra