O medo de errar

Sentada no computador eu trabalho. Um olho na tela outro nas crianças brincando. O ouvido sempre alerta em busca dos sons da bagunça ou da falta dele, coisa muito mais perigosa. Estão a ver desenhos enquanto brincam. Luiza andando pela casa, de vez em quando vem aqui distribuir carinho e charme.

– Doce de menina! – Penso – Geniosa, mas um doce.

Lá vem ela a correr toda chateada. Algo não lhe agrada. Para na minha frente mostrando os pés e a tira da sandália que havia saído. Arrumo. Ela sai saltitante.

Bernardo vem choroso. Quer “por-que-quer” colocar os carrinhos empilhados um em cima do outro. Como não conseguiu veio pedir para eu fazer. Perco alguns minutos ajeitando o carrinho que teima em cair, deixando não apenas ele irritado e frustrado, como eu também. Desisto.

– Olha filho, não dá.

Ele irrita-se, refila. Tento mais. Consigo equilibrar o bendito. Ele sai todo satisfeito. Logo traz-me  outro para consertar as rodas e carroçaria. Trabalho minucioso que exige muito conhecimento em mecânica de carrinhos. Graças a Deus fiz graduação na “Faculdade Maternal Samuelísta” e agora aprimoro os feitos e faço especialização na “Universidade Dificílima Bernardo Mendonça Lima”. Tudo certo!

O Samuel a verTV vem fazer-me  aquelas perguntas mais loucas e absurdas. Tenho que ter a resposta. Ele não aceita o meu “não sei”.

– Nossa, mamã! Tu não sabes de nada!

E sei! Sei bastante coisa, mas o que ele pergunta não está na minha área de atuação, algumas não estão na área de atuação de ninguém. Aqueles “porquês” complicados de explicar. Algumas vezes tenho que pesquisar para responder. Algumas não adianta pesquisar.

– Por que os pais se separam, mãe?

– Uai, eu não sei. Por que os adultos mudam de opinião a toda hora ou deixam de amar a pessoa com que ela casou.  – Respondo.

– Mas por que deixar de amar? Por que elas não podem amar para sempre as pessoas?

Xeque-mate!

– Eu já disse que não sei, Samuel.

Realmente, não sei de nada. Ele tem razão! Está ali uma mãe confusa até das próprias decisões. Ele sai todo feliz e satisfeito e eu com a pulga atrás da orelha.

E de onde a criança tirou que a mãe sabe sempre tudo, que sempre tem as respostas? Ás vezes sinto-me  tão perdida e desorientada, louca por um colo de mãe, a minha provavelmente saberia dar-me  essas respostas. Seria eu uma pessoa não-preparada para ser mãe? Seriam todas as mães perdidas e desorientadas? Só as nossas mães é que sabem? Ou não?

Sei lá! Mas de uma coisa eu sei. Nós tentamos. É claro, a vida não é feita de tentativas, mas de realizações, como li nalgum lugar. Porém neste processo de “tenta e persiste”, na tentativa, muito aprendizado passou por deixado dessa ponte, muitos momentos bons de risadas, já que rir dos próprios erros é uma delícia e nos deixa mais leves.

Criança não tem disso de sentir vergonha no erro, do não saber. Eles tentam até conseguir, acho que é por isso que conseguem e evoluem tanto em tão pouco tempo. À medida que vão crescendo e preocupando-se com o erro, nos outros e o que vão pensar, a evolução diminui. Imagina só um bebé sentado no chão com os bracinhos cruzados a pensar:

– Ha, não! Já tentei andar duas vezes. Duas! Veja só que despautério!! E caí. Então vou deixar para lá. Ficarei sentado e assim permanecerei. Caso precise ir a algum lugar, choro que a mamã vem pegar-me . Se ela não vier, arrasto meu rabinho por todo lado e pronto!

Mas não. Eles não pensam assim. Levantam com as perninhas trémulas, vai o primeiro passinho, o segundo e caem. Acham graça da queda e levantam novamente.

Neste caminho de auto-conhecimento das nossas habilidades e limitações, os momentos vão sendo guardados. Aquele bolo de banana, receita facílima de família que não deu certo? Virou risada. Aquele tombo que o seu filho deu virou estilo “não foi nada, vai sarar” por que viste o cordão desamarrado? Virou aprendizado. Aquelas perguntas que não soube responder? Viraram momentos divertidos à procura da resposta ou de reflexão diante da sabedoria e verdade inquestionável das crianças.

Enquanto isso, aproveito esses momentos de super-heroína que me restam. Eles estão a crescer, logo a certeza que o Bernardo tem de que eu sei arranjar tudo que estraga na sua vida, vira dúvida. Samuel já me questiona. Não me importo. É sinal de inteligência e personalidade. Porém chateia ver que apenas a minha opinião não basta. Bom, o meu colo ainda cura, ainda bem. Ainda são os meus braços que eles procuram, do menorzinho ao mais velho, quando algo de mau acontece ou dói. Pois sabendo as respostas da vida ou não, estando perdida ou certa das decisões que tomo, cabeça leve ou fechada pela dureza da vida, tudo isso não importa porque os braços… Ha, esses estarão sempre abertos!

Fonte: Indiretasmaternas