Mãe não tem tempo de se arrepender

Ser mãe não tem sido das tarefas mais fáceis da minha vida. Não me refiro ao trabalho duro, às noites em claro com filho doente, à correria para a casa de banho quando ainda estão a aprender a usar, ao sacrifício diário em acertar na melhor alimentação, não. Não é isso que me atormenta! Confesso, sou uma mãe mais tranquila em relação a tudo isso. Se passar a noite em claro, ok. No dia seguinte compenso e acordo tarde, já que todos aqui só acordam depois das 9h. Se precisar limpar o rastro de sujidade que se formou até a casa de banho por que não deu tempo de chegar direito, ok. Limpo. Alimentação saudável não é o meu forte, mas também não é nenhum sacrifício. Neste quesito tudo “ok” também.

O que me mata mesmo são os sonhos engavetados, os desejos reprimidos, a vontade de às vezes fazer diferente, seguir outro rumo e não poder por causa dos meus filhos.  Não, eu não sou aquelas mães amargas que reclamam de tudo. Sou feliz com os meus filhos. Muitas vezes  pego-os no colo e fico a olhar admirada, pensando o porquê de Deus me entregar aquelas preciosidades, na minha sorte em tê-los comigo alegrando e enlouquecendo os meus dias. Lembro da quantidade de mulheres que sonham com a maternidade ou estão com os filhos doentes em camas de hospitais. Penso nas mães que depois de experimentarem todo esse amor, perderam os seus filhos de repente por causa de alguma fatalidade e agora estão com o ninho completamente vazio. Só de pensar e de tanto “treinar” minha empatia, dói. Olho para os meus filhos saudáveis e graças dou a Deus por isso.

Porém, mesmo assim, sempre terá aquela espetada ao nos depararmos com sonhos e planos parados por causa das escolhas que fazemos. Parecem agulhas que ficam escondidas nas fotos de adolescente, quando ainda sonhávamos sem limitações, nas roupas antigas que já estiveram conosco em momentos especiais e que temos saudades, nem sempre do momento em si, ele foi vivido, aproveitado em seu tempo. Ás vezes a saudade é da leveza da alma que tínhamos. Hoje eu me sinto mais sobrecarregada, mais cansada. As dores nas costas lembram-me  dos sacrifícios rotineiros e que de tanto fazer parte, nem percebo tanto. Sento no sofá depois de um dia exaustivo e só lembro das dores. Tomo um dorflex e vou para a cama, afinal, amanhã é outro dia e o meu corpo tem que estar preparado para ele.

Fecho os olhos e sorrio ao lembrar daquela viagem maravilhosa que fiz há muito tempo atrás, da saída com os amigos de escola, do barzinho com os amigos de faculdade, de como era viver na minha casa com a minha mãe e irmão, da bagunça com os primos e almoços de domingo na casa da minha avó. Dá saudade do tempo de quando eu queria sair e simplesmente saía. Quando eu queria ia às compras as sacolas eram para mim. Dormia o quanto podia, o quanto o trabalho e estudo davam brecha. Todo o investimento de tempo e cuidado era para mim. Até as decisões mais drásticas como mudança de emprego, casa, namorado, visão da vida, tudo era baseado no que era melhor para o meu futuro.

Hoje tenho mais três vidinhas que dependem de mim e esperam que eu tome as melhores decisões para o bem de todos. Cada passo dado não é com a firmeza dos meus 20 anos, na certeza que tudo dará certo e se não der, há tempo e disposição para conserto. Até a simples tarefa de atravessar a rua me dá medo. Sim, tenho medo. Medo dos carros, dos piripaques que possivelmente posso ter por aí, inclusive atravessando uma simples viela. Lembro-me da sensação que tive ao ver o meu médico suando frio ao deparar-se  com um probleminha que tive na cesariana. Luiza já estava em segurança e apenas eu estava ali aberta, inerte, impossibilitada de fazer algo por mim  ou por qualquer outra pessoa, vulnerável a qualquer coisa. E em todo momento a minha única preocupação era com os meus filhos.

– O que será deles? Quem irá cuidar caso alguma coisa me aconteça? E será que se lembrarão de mim? Que tudo isso que passei foi por eles, por amá-los demais? Quem irá contar os nossos momentos juntos? E aqueles em que ninguém estava presente? Quem irá contar das brincadeiras? Musiquinhas inventada para alegrar e ensinar coisas simples como escovar os dentes. Quem? Quem?

Aquela aflição eu não me esqueço nunca. O medo não era da morte, do que viria a seguir, se todas as minhas crenças eram verdadeiras. O medo não era do que seria da minha alma depois. O medo era do vazio que o meu amor ou a falta dele traria à vida dos meus filhos. Era um amor mais forte que a morte ou do medo que tenho dela.

Eis um dos dilemas da maternidade: sofrer tanto com a possibilidade de nunca mais poder pensar em si mesma, levando-se em conta apenas seus desejos e ao mesmo tempo, adorar a sensação de nunca mais pensar no singular, nunca mais estar sozinha.

É uma responsabilidade muito grande e de tão natural, não pensamos ou não medimos o real sentido e significado desse peso. Todo esse sentimento nostálgico de dias que não voltarão jamais, esse lamento pelos lugares que adoraríamos visitar e por hora não podemos, as noites que gostaríamos tanto de sair com os amigos, o dinheiro gasto em fraldas que olhando bem, seria tão bem gasto se fosse com sapatos…

Tudo isso cai por terra quando olhamos bem no fundo dos olhinhos dos nossos filhos e eles parecem ver a nossa alma. O mais bonito em tudo isso, é que mesmo vendo todos os defeitos que temos, mesmo assim amam-nos , admiram-nos  e por tanto tempo, ensaiam crescer e parecer-se  connosco. Como pode, não é?

Em dias assim, mesmo cansada, olhando fotos de amigas que viajam o mundo ou investem na sua vida profissional, mesmo com uma pontinha de inveja, penso em tudo o que investi, na minha vida ou melhor, no que ela se tornou, o quanto está mais colorida e passou a fazer mais sentido.

Logo tudo isso irá passar, eu sei. E eu? Eu viverei cada instante dele por que eu sei que sentirei falta até dos segundos que perdi a dormir.

Fonte: uaimae