Ir para o cantinho pensar na asneira que acabou de fazer?!

Já assisti, durante a minha experiência de quase quinze anos de trabalho com crianças e famílias, muito boa gente (pais, educadores e outros técnicos) utilizarem esta estratégia, acreditando com toda a boa fé que era, de facto, uma boa estratégia. Quando a criança fazia um disparate, especialmente aqueles disparates intencionais de confronto e de teste dos limites, em que ela sabia que era, efectivamente, um erro mas insistia em fazê-lo, em jeito de provocação; o adulto “convidava-a” a ir para o quarto/canto da sala de aula/cantinho mais isolado “reflectir” acerca do que acabou de fazer.

 

A primeira vez que vi alguém fazer isto, a criança em questão foi para o quarto, sob protesto, num berreiro tal, que o pai olhou para mim vitorioso, convicto de que tinha ali encontrado uma solução pedagógica eficaz. Sorri em pensamento e esperei pelo que acabou por acontecer. Menos de 5 minutos depois, a criança tinha saído do tapete onde o pai a tinha sentado a pensar na sua vidinha e estava, alegremente, a brincar com as bonecas do quarto.

 

O pai, de orgulho ferido, agarrou na filha e convidou-a a sentar-se no sofá da sala, com a televisão apagada e sem estímulos que convidassem à brincadeira (pensava ele). Primeiro minuto em silêncio e logo de seguida começou a cantarolar, como se nada fosse, e a brincar com os próprios dedos, uma vez que a imaginação não tem limites. O pai engoliu em seco. E foi aí que, interrompendo o meu silêncio a observar a cena, me perguntou o que estava a falhar.

 

Não contesto nem desautorizo (e só em casos manifestamente abusivos crítico) as práticas educativas de nenhum pai, a menos que me peçam a minha opinião mas ali a resposta era fácil, fácil.  Mandar pensar não pode ser castigo. E, acrescento, a criança só consegue pensar de forma crítica e reflexiva acerca dos seus actos, compreendendo, de facto, as questões valorativas e morais das regras, com base num pensamento crítico, por volta dos 6 anos. Portanto, tudo o que ali se passava era passível de resultar em falha.

 

O castigo tem que ter uma relação de causa-efeito com o erro dos nossos filhos.

 

Imaginemos a seguinte situação: o filho atira uma comida para o chão de propósito e recusa-se a apanhar, fazendo uma birra enorme quando insistimos e sabendo, claramente, que está a fazer um disparate. Mandar para o castigo, ir pensar no disparate que acabou de fazer não serve para nada, para além de dar tempo ao progenitor para respirar fundo e descansar a cabeça (ou seja, não é um castigo para a criança, é apenas um escape para o adulto). A estratégia tem sempre que relacionar numa lógica causa-feito o erro com a consequência, ou seja, “sujaste o chão, agora limpas, não há outra alternativa que não essa” (mesmo que limpe mal e que o pai tenha que limpar melhor a seguir, sem que ele perceba, mas tem que limpar).

Relacionar pensamento e castigo é atribuir uma conotação negativa a algo tão positivo e bom como é o exercício de pensar. O pensamento deve ter uma conotação positiva. Pensar é ter a liberdade de usar uma característica que nos diferencia de todos os outros animais, é um exercício de análise, sentido crítico e inteligência, não pode ser relacionado com punição, castigo, negatividade.

 

Mais ainda, o castigo não pode ser atribuído sem que seja dada à criança a oportunidade de o corrigir ou minimizar, responsabilizando-se pelos seus actos e agindo sobre eles.

 

Isto quer dizer que se uma criança dá uma palmada a um adulto, de forma zangada e deliberada após ser contrariado ou uma situação de confronto, deve ser orientada pelo mesmo acerca do reconhecimento e gestão da emoção bem como da razão do erro (exemplos: “A tia não te fez a vontade, ficaste zangado e basteste-lhe. Não se pode bater em ninguém! É errado!”/ “A tia não te deixou ir para o chão porque podias cair e magoar-te e tu bateste-lhe. Bater em alguém magoa essa pessoa e a pessoa pode ficar doente, achas bem?”/”A tia estava a calçar-te e tu não querias e bateste-lhe. Sem sapatos podias magoar-te descalço no chão e a tia não queria que isso acontecesse. Bater na tia magoa-a. Achas certo?”), tendo a oportunidade de gerir as consequências que a sua acção causou (“Devias ir conversar com a tia e pedir-lhe desculpa porque a magoaste “). Ou seja, não é convidando a criança a isolar-se num canto a pensar no seu erro que ela o vai assimilar, assumir e tentar corrigir ou minimizar. É mostrando-lhe as consequências directas do seu acto e a forma de as tentar resolver de forma directa e participativa.

 

Nenhuma criança pequena vai, efectivamente, reflectir acerca das consequências dos seus erros virada para uma parede sozinha. Nenhuma. Nem há qualquer função pedagógica nesta prática.

 

Por isso, da próxima vez que mandar o seu filho pensar no disparate que acabou de fazer como castigo lembre-se que pensamento não pode ser castigo, estar isolado e sozinho também não deve ter uma conotação de castigo (é bom estarmos connosco mesmos, a nossa própria companhia não é uma coisa negativa é um tempo precioso de auto-descoberta) e se não mostrar ao seu filho o que pode fazer para corrigir ou minimizar o erro ele nunca terá hipóteses de alterar o seu comportamento porque não conhece alternativa e não percebe as consequências directas do disparate que acabou de fazer. E ninguém aprende sem compreender a realidade. E a realidade não se aprende virado para um canto de uma parede a pensar na morte da bezerra.

 

Se tiver dificuldades em perceber isto lembre-se de quando era pequeno: estes castigos surtiram, de facto, algum efeito imediato em si? Duvido.

 

(O famoso “em casa conversamos” tem para mim o mesmo resultado pedagógico: nenhum. Para além de atribuir uma conotação de medo ao tema da conversa -que deve ser um momento de discussão, argumentação, partilha de ideias e expressão das emoções, logo, algo positivo- não resulta por aí além adiar o confronto entre o acto e a explicação do que está errado no acto para um momento que não o imediato pois faz perder força à ilacção que a criança possa tirar da situação por torná-la passada, desactualizada e perdida no tempo.)

Fonte: Rui Brasil para Sapo.pt