Filho “segura mulher”, não salva, mas mantém casamento.

Realmente, casamento com filhos tem um “Q” a mais. Junto com a vulnerabilidade da gestação e do puerpério, a descoberta do bebé, de uma nova mulher, de um novo homem (ou o mesmo que nunca se havia mostrado de verdade), uma nova vida, as expectativas e a solidão materna, tem todo o peso do machismo e da socialização feminina que condiciona a felicidade e a auto estima femininas à aprovação masculina e a estar numa relação, que prega que mulheres existem para serem mães (de filhos, de marido, de pets, whatever, tem que ser “mãe” de alguma coisa), para cuidar e “manter” a família.

Que define que a carreira e a vida social/política/financeira do homem é mais importante e que se alguém tiver que parar de trabalhar para cuidar dos filhos, que seja a mulher, porque “mãe tem instinto materno”, “mãe cuida melhor”. O pai? O pai deve prover e só.

Que condena a mulher à jornada dupla, tripla para dar conta da carreira (quando tem), do trabalho doméstico e dos filhos, porque marido “AJUDA”, logo a obrigação é apenas dela. E que a exploração é o preço a pagar pelo casamento.

Que qualquer mínimo que o homem faça será muito, o suficiente para ser exaltado, não porque é um bom pai, mas sim porque dentre MILHÕES de pais ausentes, negligentes e irresponsáveis ele é “MENOS PIOR”. Que se ele não assumir a responsabilidade pelo trabalho doméstico e pelos filhos ou não dividi-la de forma justa, A CULPA É DA MULHER, da mãe dele, do cachorro, mas nunca dele.

Que na teoria mães e pais tem os mesmos direitos e deveres, mas na prática os deveres são MAIORITARIAMENTE da mãe porque “mãe é mãe”.

Tem também toda uma sociedade cobrando que essas mulheres estejam bonitas, “voltem a forma”, tenham libido, sejam “pacientes” para “manter o casamento”, para o marido “não procurar na rua o que não tem em casa”.

No casamento com filhos, a manutenção da relação ganha maior importância que qualquer coisa, muitas vezes inclusive o bem estar do bebé e da mulher. Mulheres quebrando resguardo, deixando de amamentar, sofrendo com problemas psicológicos e caladas tentando dar conta de tudo, vivendo de aparência por medo do julgamento e da culpabilização, que sabem que recairão sobre elas.

Quantas mulheres se mantém em relações abusivas por serem dependentes financeiramente ou emocionalmente de um homem?

Quantas se mantém em relações por não terem rede de apoio, por não terem acesso a políticas públicas que garantam vagas em creches, escolas e qualidade nesses serviços, por medo de carregarem o fardo da culpa pelo fim da relação e de um possível afastamento entre pai e filho?

Quantas seguem naturalizando e romantizando a própria exploração e violência em nome de ideias machistas e religiosas como “o que Deus uniu o homem não separa”, “o amor tudo perdoa, tudo suporta”, “a mulher muda o homem”, “quando é amor a gente conserta”, “mulher deve ser submissa ao homem”…

Quantas se mantém em relações por temer pelo futuro e pela vida dos filhos, visto a crise política e económica que nos encontramos e a realidade brasileira de violência contra mulher e a sua impunidade.

Sem esquecer das mais de 20 milhões de mulheres que criam os seus filhos sem dividir a responsabilidade com os pais dos seus filhos sem precisar amar homem nenhum para cuidar dos filhos. De como a sociedade as julga, persegue, exclui, apaga, silencia e isenta homens pela responsabilidade com os filhos, colocando a paternidade como uma quantia (geralmente miserável) a ser paga mensalmente.

Quem quer carregar o fardo da responsabilidade de um filho feito POR DUAS PESSOAS sozinha e as consequências disso? Quem quer carregar o estigma social da “mãe solteira”?

FILHO É ETERNO PARA QUEM? A realidade e as estatísticas mostram que É APENAS PARA A MULHER. E não será negando essa realidade que vamos conseguir avançar nessas questões.

Que NINGUÉM jamais esqueça que se responsabilizar e cuidar dos filhos nada mais é do que OBRIGAÇÃO, DEVER como adulto e cidadão e nada tem a ver com a relação de homem e mulher ou com um amor que não seja entre pai e filho. Que a gente cuida com amor e por amor, mas que amor jamais pode ser usado como condição para cumprir os nossos deveres.

Que cada adulto é unicamente responsável pelas suas escolhas e consequências, inclusive pelo tipo e qualidade de relação que terá com os filhos, independente de qualquer pessoa ou relacionamento.

Casamento com filhos não é fácil, mas quem disse que precisa de casamento ou da existência de amor e manutenção de um relacionamento para que pessoas convivam com os filhos e se responsabilizem por eles?

Fonte: Nayara Ferreira