Cólicas, vómitos e diarreia

Gastroenterite

A gastroenterite aguda é ainda uma causa importante de doença nas idades pediátricas. As causas podem ser micróbios (e os mais frequentemente implicados são os vírus, mais de metade dos casos, designadamente um, chamado rotavírus), seguindo-se as bactérias e mais raramente outros agentes, como os parasitas. As intoxicações alimentares por químicos ou outros agentes podem também causar sintomas semelhantes.

O que caracteriza a gastroenterite é um mecanismo muito simples: o agente (qualquer que ele seja) entra, e é reconhecido pelo estômago como indesejável. Dá-se assim a tentativa de o expulsar, através dos vómitos. Se parte do agente consegue passar o estômago e atingir o intestino, aí cabe a este «mangueirar» o agente para fora, na forma de diarreia.

A maioria destas situações são auto-limitadas, ou seja, passam espontaneamente. No entanto, o grande perigo é a desidratação. Pela explicação que leram, compreenderão que é necessária mais água para expulsar o agente que provocou a gastroenterite. Mas, se a criança está a vomitar e enjoada, a ingestão de líquidos fi ca comprometida. Acresce que o estômago, porque se contrai (e é um músculo muito forte) e porque tem a sua mucosa dorida, recusa-se a aceitar alimentos ou líquidos, podendo, sobretudo em bebés ou crianças debilitadas, atingir-se rapidamente um grau de desidratação grave. Se houver febre ou respiração acelerada ou se estiver calor a perda de água ainda é mais significativa.

Para lá dos vómitos e da diarreia, podem surgir outros sintomas: algumas bactérias, por exemplo, podem invadir a parede do intestino, provocando ulcerações da mucosa com aparecimento de muco, sangue e pus nas fezes. Outras podem mesmo invadir a corrente sanguínea, dando sinais gerais de infecção – febre, mal-estar, quebra acentuada do estado geral, entre outros.

Por estes motivos, a atenção deve centrar-se, fundamentalmente, na prevenção e na terapêutica da diarreia e da desidratação – é por isso importante os pais terem conhecimentos suficientes, para actuarem correctamente quando surgem os primeiros sintomas da doença.

A QUE DADOS DAR ATENÇÃO?

Perante uma criança com gastroenterite, os pais deverão interrogar-se acerca do seguintes aspectos, os quais deverão ser veiculados ao médico-assistente ou à Linha Saúde 24:

■ características das fezes – há quanto tempo dura a situação? se há mais de três dias, é conveniente consultar o médico. Quantas dejecções tem a criança? Mais de cinco? E a cor das fezes? É anormal? E a consistência, muito líquida? E as fezes têm sangue ou muco (com o aspecto de «ranho»)? ■ a criança está com vómitos? E febre? Se vomita incessantemente ou se tem febre alta será melhor consultar o médico;
■ a criança consegue beber líquidos, pelo menos em quantidade sufi ciente para compensar o que está a perder pela diarreia? Se não, consultar o médico;
■ o estado geral e de nutrição é bom? Se sim, a criança poderá aguentar a situação por algumas horas ou dias, se não, a descompensação será mais precoce;
■ a criança está irritável? Chora sem parar? Inconsolável? Grita, de um modo diferente do «chorar alto»;
■ como está a respiração? A frequência respiratória está aumentada?
■ acham que os olhos estão encovados? Isso é um sinal de desidratação. Necessita de cuidados urgentes;
■ e tem ausência de lágrimas? Significa também que está desidratada;
■ e o mesmo se passa com a secura da boca e das mucosas ou, nos bebés pequenos, com a fontanela (moleirinha) que pode estar deprimida e metida para dentro. Neste caso é melhor ir a um serviço de urgência imediatamente;
■ e a pele da barriga? Se derem um beliscão, ela volta imediatamente ao normal ou fi ca com a prega que lhe fi zeram? é que, neste último caso, é provável que o bebé esteja desidratado e necessita de cuidados médicos urgentes;
■ quanto é que diminuiu de peso? É bom saber, se forem a um serviço de urgência, para os médicos saberem quanto é que o bebé terá perdido e reporem essa quantidade;
■ há sinais de colapso circulatório (pele fria e seca, extremidades frias, prostração, quase não dá acordo de si) – o melhor é levá-la imediatamente a um serviço de urgência.

Importa dizer que, na maioria dos casos, são os pais quem sabe melhor se o estado da criança se encontra muito ou pouco alterado.

A DESIDRATAÇÃO — O GRANDE RECEIO!

Pais: fiquem bem cientes de que, independentemente da causa, o maior problema da gastroenterite aguda é a desidratação, sendo portanto essencial assegurar que o vosso filho consegue beber pelo menos tantos líquidos quanto está a perder pela diarreia, vómitos, febre e respiração acelerada. Os bebés são muito susceptíveis à desidratação, por razões que se prendem com a superfície cutânea, a distribuição de líquidos pelo organismo e a maior labilidade metabólica. Convém também não esquecer que a desidratação pode conduzir a consequências muito graves, algumas delas definitivas, se não for corrigida.

REHIDRATAR – O PONTO PRINCIPAL

Primeiro que tudo é necessário hidratar mas descansando o mais possível o estômago e o intestino. Nas primeiras cinco horas devem dar-se as chamadas «soluções de rehidratação oral», de que há vários exemplos comercializados, disponíveis nas farmácias. Se não há a hipótese de ir a uma farmácia, poder-se-á fazer o seguinte soro caseiro:
Sal da cozinha – uma colher de chá.
Açúcar – uma colher de sobremesa bem cheia.
Dissolver em um litro de água.
Como o estômago está super-irritado e contrai-se mal enche, é importante dar pequenas quantidades de cada vez, mas muito frequentemente. Assim, o soro vai entrando sem o estômago dar por isso. Isto exige muita paciência, mas resulta e rapidamente os pais verão recompensada a sua atitude.

 

A INTRODUÇÃO DOS ALIMENTOS

Se passadas essas cinco a seis horas os vómitos cederam pode começar-se, devagarinho, a introduzir alimentos mas de preferência evitando os mais agressivos para o aparelho digestivo, como os legumes verdes e os frutos com sumo, além do leite. As «colas» são recomendadas por alguns médicos. Porque contêm água e açúcar, e são bem aceites pela criança. No entanto, quando utilizadas devem ser diluídas com outro tanto de água porque são hiperosmóticas, podendo chamar mais água ao intestino e aumentar a diarreia. Nunca deve ser recusada água, a qual deve ser oferecida, durante a rehidratação, nos intervalos do soro.

Por vezes, pode ser necessário dar um medicamento para os vómitos, mas sempre por indicação do médico assistente e nunca por decisão espontânea dos pais, dado que podem estar contra-indicados em bebés. Os alimentos, tal como se disse para o soro, devem ser dados de modo fraccionado. Quando as fezes começarem a voltar ao normal, pode começar a introduzir-se os alimentos que estavam proibidos, mas sempre de modo vagaroso.

No tratamento das gastroenterites comuns não há neces sidade de usar leites especiais ou outros alimentos especiais para diarreias. De facto, a diarreia representa uma vassourada no intestino, destinada a varrer os micróbios ou os agentes tóxicos que irritaram e lesaram o intestino. De qualquer forma, essa mesma «varridela» pode também «riscar o verniz», ou seja, fazer algumas lesões na superfície celular intestinal. Neste caso, pode haver uma intolerância aos alimentos, especialmente aos açúcares, já passada a fase mais aguda.

Essa fase, chamada síndroma pós-gastroenterite, pode manter-se até 10-12 dias e explica a maioria daqueles casos em que, teoricamente, a criança deveria estar bem mas em que continua com diarreia. São os açúcares do leite que perpetuam esse estado, já que a «mangueirada» retirou da mucosa intestinal os enzimas que desdobram o leite (as dissacaridases) e demora algum tempo até se recomporem outra vez. Neste caso é aconselhável recorrer à opinião do médico assistente e aqui, sim, pode ser necessário um leite sem dissacáridos (há diversas fórmulas comerciais no mercado).

Nas crianças exclusivamente alimentadas a leite que não seja o leite materno, é recomendável, em caso de diarreia grave, diluir o leite habitual, aumentando depois progressivamente a sua concentração até ao normal. De qualquer forma, uma dieta com poucos resíduos e pouco teor em gordura, facilita a digestão e a absorção intestinal e a não agrava as cólicas associadas à diarreia. As refeições deverão ser fraccionadas e em maior número. A alimentação ao peito não deverá ser interrompida, mesmo que a mãe também esteja com gastroenterite (a menos que esteja tão cansada e mal disposta que amamentar seja um esforço demasiadamente grande).

 

OUTROS TRATAMENTOS

Os antibióticos têm escassas indicações na diarreia aguda e não deverão ser usados, a não ser se houver prescrição do médico nesse sentido – não esquecer que as bactérias boas que colonizam o nosso intestino são mortas pelo antibiótico e perdemos um aliado importante.

Outros medicamentos, como os medicamentos para as cólicas, não têm geralmente qualquer indicação no tratamento da diarreia e da desidratação. As cólicas e respectivas dores de barriga são uma consequência natu ral das alterações que ocorrem a nível intestinal e permitem uma limpeza mais rápida dos micróbios. Pode ser incómodo num bebé pequeno, mas não esqueçamos que ele está doente e que há sempre um sofrimento que não é evitável sem fazer pior.

Independentemente do grau de gravidade e da etiologia da diarreia, é indispensável proporcionar à criança o maior bem-estar. A maioria das diarreias agudas são controláveis em casa, com medidas simples e muita paciência. No entanto, se surgir algum sintoma ou sinal de gravidade, então o melhor será levar a criança ao médico, de imediato.


MEDIDAS DE CONFORTO

O iogurte fresco (feito em casa) tem uma acção benéfica nos casos de diarreia aguda. As leveduras, das quais existem várias marcas comercializadas, embora isento de efeitos colaterais, não provaram ter um efeito terapêutico milagroso mas também não fazem qualquer mal e ajudam moralmente os pais – não esquecendo que a maioria delas são razoavelmente caras.

AS CÓLICAS

Provavelmente, estará ainda por nascer o bebé que não tem cólicas no primeiro trimestre de vida, mais concretamente entre as três e as doze semanas. Muitas podem ser as causas de cólicas: o ar que o bebé engole, reacção de intolerância ao leite de vaca, imaturidade intestinal ou reacção natural ao stresse do parto. As cólicas do fim do dia são típicas: o bebé dormia bem, tranquilo, mas agora parece despertar ao mínimo barulhinho. Estremece. Abre os braços. Fecha as mãos. Encolhe as pernas e fi ca muito encarnado. Às vezes bolça. E chora. Desalmadamente. A expressão é de infelicidade. Faz beicinho. E nem sequer se contenta com a mamada. Quer alguma coisa e os pais não conseguem entender o que é que ele quer, o que lhes aumenta a frustração. É nessa altura que se desdobram em telefonemas e visitas ao médico, administração de preparados anticólicas, ouvem-se os avós, os amigos, os colegas, para saber se alguém tem a solução mágica que resolverá o problema, nem que tenha de vir de Inglaterra. Mas o bebé não se contenta com nada, e não consegue dizer o que lhe vai na alma… Como é que isto foi acontecer, quando afi nal até estava tudo a correr tão bem? O que se passa é que o bebé está a deitar cá para fora a raiva acumulada do parto e dos imensos estímulos a que foi sujeito nas primeiras semanas. É por isso que é preciso deixá-lo desabafar, não lhe transmitindo mais stresse. Depois da «cena» ficará quase zen e os episódios serão menos e durarão menos tempo.

 

DICIONÁRIO:

Cólicas: espasmos intestinais que provocam dor, e que levam a desfasamento na contracção e relaxação dos diversos segmentos intestinais, causando dilatação e dor.
Vómitos: expulsão súbita do conteúdo do estômago, devido a contracção súbita e forte deste órgão.
Diarreia: aumento do número de dejecções e/ou diminuição da sua consistência, relativamente ao que é normal para a criança. Estas situações são mais frequentes nas gastroenterites agudas.

Por: Mário Cordeiro

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