A solidão das mães

Essa “companheira” de que nunca se fala

Fico sempre sem jeito quando vejo falar-se da depressão do pós-parto. E, sobretudo, quando se fala dela com uma aragem muito semelhante àquela com que se fala duma doença. Ou com um tom de quem está a referir-se a uma fraqueza que se abate sobre algumas mães. Há uma espécie de “não aguentou” que acaba por ser transversal a estas mães, que se traduz por um imenso (!) cansaço. E que, estranhamente, nunca parece ser reclamado pelas outras. Duma forma clara. Mais ou menos assim: “Sim, também eu me deprimi, sozinha, quase em clandestinidade, e com o pavor de estar a ser má mãe!”.

 

Ora, eu acho estranho que se fale duma mãe que teve um bebé como se as mães, porque são mães, nunca se cansassem. Mas, afinal, como pode uma mãe estar atenta e de sorriso bondoso, e como pode ser quase bucólica nos gestos quando tem um bebé que mama de duas em duas horas? E quando, entre mudar-lhe a fralda, falar com ele e dar-lhe mama, e o adormecer, os sonos da mãe se fazem em “suaves prestações” de sessenta minutos, várias vezes ao dia? Como pode uma mãe estar atenta e sorridente quando – num outro ritmo, todavia – os seus sonos  se irão recompor… dois anos depois? Como pode uma mãe sentir que, por um lado, tem um”menino Jesus” no colo e, por outro, que a sua vida se transformou numa espécie de “prisão domiciliária” onde – entre as mamadas, as fraldas e os brevíssimos períodos de silêncio – a sua vida de todos os dias se fracturou e quase parece que não se passa nada? Como pode sentir-se a ter vida se, em muitos casos, as mães, para além de tudo o que tem de esgotante um bebé, reservam para si não sei quantos compromissos domésticos, mais a gestão do dia-a-dia dos seus outros filhos sobretudo quando eles, depois de levarem um “corte no ordenado”de 70% de mãe, decidem ser mais reivindicativos e mais frágeis, e acabam por se sentir mais “abandonadotes”? Como pode estar cheia de graça quando dar um salto à rua acaba por ser feito num sprint, tomar um café deixou de ter o mesmo registo pausado de antigamente e sentar-se a folhear um livro, mesmo que brevemente, não passa de um desejo acompanhado com um suspiro de saudade? Como pode estar jovial e fresca se, ao fim-de-semana, o corrupio das pessoas a ver o bebé não cessa e, por mais que todos digam não querer incomodar, cansam e cansam e cansam e ninguém parece vê-la a ela com olhos de ver? Como pode uma mãe sentir-se glamorosa, como antigamente, quando o soutien da amamentação, uma barriga que parece revoltar-se contra si e não diminuir, um cansaço indiscritível e as dores de cabeça que se impõem, quase todos os dias, parecem ser “forças de bloqueio” a quaisquer gestos de ternura do seu companheiro? E como pode ser charmosa, na forma como acarinha, quando os “momentos a dois” se transformam numa espécie de parafernália de bebé, pai do bebé, saco das fraldas, biberões, cadeira do bebé, carrinho e etc. que quase dissuade qualquer programa que fuja do vulgar? E como pode ser feliz se, no entretanto, a vida amorosa do casal esbarra na sua exaustão, no seu desinteresse e na forma como sente o seu coração e o seu corpo mal-amanhados enquanto, do outro lado, tem um companheiro que talvez não tenha estado tanto tempo na gravidez como devia, que não terá vivido todo o trabalho de parto como lhe competia? E que se terá esquecido de todos os gestos amorosos e de carinho, depois do bebé nascer, e oscila entre os amuos semelhantes aos de um filho que se sente excluído e algumas abordagens mais sexualizadas sem sensibilidade e sem jeito, como se a memória duma mãe triturasse, automaticamente, todos os ressentimentos e o seu coração fosse imenso e almofadado a ponto de adocicar todos os descuidos? E como pode uma mãe conviver com a sua mãe que, em muitos momentos, passa a ser um bocadinho pirilampo, e se “apaga” quando lhe devia dar colo e falar de tudo aquilo que sente de inquietante e que não tem coragem de falar de forma clara com medo de ser quase repreendida e, depois, se “acende” quando se trata de quase a “humilhar”, mostrando um desembaraço com o bebé que, quando se está triste e zangada, se acha que nunca se terá como mãe? E onde fica a sogra da mãe do bebé quando, na ânsia de ajudar, aparece mais do que devia e apaparica o seu próprio filho dando a entender que uma mãe precisa do amor do seu bebé e de quase mais nada? E os amigos da mãe – onde estão os amigos da mãe? – que se encolhem todos quando ela, com timidez, faz um desabafo sobre a sua tristeza ou, quando muito, só se autoriza a chorar ao pé deles porque se sente… “cansada”?

 

Um bebé  é precioso, sim! Mas desequilibra qualquer mãe. E remexe-a, por dentro. E leva-a a questionar quase tudo: se é boa mãe; se tem competências para ser mãe; se é assim tão engraçado e tão inquestionável ser mãe; se o seu amor pelo pai do bebé não é um “faz de conta que foram felizes para sempre” maior do que alguma vez tinha imaginado; se a sua família e os seus amigos não são, vezes demais, um “erro de casting”; e se tudo aquilo que ouve e que lê sobre mães e bebés não a fazem sentir “a pior mãe do mundo”. Porque naquilo que se escreve sobre as mães é tudo fácil, simples, “lindo de morrer”, cor de rosa, e há “corpos de modelo” dois meses depois do bebé nascer, e há mães e pais apaixonados um pelo o outro e pelo seu bebé, e não há mães mas super-mães. O que é que resta a uma mãe? O gosto de todos lhe dizerem que o seu bebé é lindo e perfeitinho, mesmo quando, por vezes, ela acha que não. E o direito a chorar – devagarinho! – por culpa do seu cansaço, claro. Ou, sempre que ousa falar um pouco mais da sua tristeza “por sinais de fumo”. Quando confidencia, por exemplo, acerca do  medo do seu leite “não ser bom”. Que logo merece um: “Não sejas tola. Sim?…”. Em tudo o resto, salva-a o bebé!

Se, depois disto, alguém acha que há “mulheres de armas” que passam por um parto e pelos primeiros tempos do bebé como “leoas”, e há mulheres frágeis que, para surpresa das primeiras, se deprimem quando deviam estar felizes, então – desculpem! – é porque há muito poucas pessoas que percebem de mães. E – pior, ainda – serão menos aquelas que falam, de forma clara, da solidão das mães. Exatamente: da solidão das mães! Como se estarem felizes, sentirem-se mágicas, transbordarem de amor e sentirem-se, assustadoramente, sós fossem realidades incompatíveis umas com as outras. Muito pouco próprias das boas mães.

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Fonte: Eduardo Sá